ALIANÇAS TANÁTICAS — The War of the Roses (1989)
— RUTH BLAY LEVISKY —
Esse filme abre discussões interessantes para a análise das dinâmicas vinculares e conflitos gerados entre casais e famílias. Trata-se da história de um casal que se encontra casualmente e se apaixona loucamente. Casam-se pouco tempo depois de se conhecerem e formam uma família aparentemente feliz e harmônica, composta por dois filhos, uma menina e um menino.
É possível observar a impulsividade das reações entre ambos e passagens ao ato, logo no início e no decorrer do filme.
Ela presenteia o marido com o carro de seus sonhos no começo da relação, o que sugere que ela tem uma posição econômica mais elevada que ele nessa fase da vida. Essa diferença no plano econômico do casal parece alimentar no marido um desejo de crescimento financeiro. Começa de forma velada uma competição que tem por base aspectos narcísicos da personalidade de ambos.
Na aparência tudo transcorre bem com essa família. Passam a ter uma vida luxuosa e cheia de glamour.
Numa das cenas do filme aparecem os dois filhos obesos, fato que nos faz levantar questionamentos sobre essa vida tão “feliz”. O sintoma da obesidade pode ser revelador de conflitos intrafamiliares e de um possível “falso self” familiar. As aparências servem de alimento narcísico ao casal e parece representar o sustento da relação.
O filme retrata a transformação dessa relação ao longo da vida. Os sentimentos inicialmente amorosos vão ficando carregados de ódio, competitividade e ambivalência.
Com o sucesso financeiro do marido inicia-se o declínio do relacionamento. Eles se distanciam e ela se sente invisível aos olhos do marido. Vai deprimindo progressivamente.
O marido, por sua vez, envaidecido e orgulhoso de sua ascensão econômica, desperta ao mesmo tempo na esposa, sentimentos de inveja e raiva, desencadeados pelo abandono e desprezo que ela sente diante dele.
A impulsividade inicial vai se transformando num vínculo de natureza sado-masoquista.
Ele fica doente, é hospitalizado e ela nem vai visitá-lo, o que o deixa magoado.
No regresso a casa, ela decide pedir o divorcio, tomada pela frustração e pela dor da solidão. O marido fica surpreendido com esse desejo da esposa, pois, apesar de magoado, diz gostar muito dela. Ele está cego ao sofrimento dela.
A relação, que inicialmente é nutrida pelas aparências não se sustenta.
No momento da partilha dos bens, esse vínculo com qualidades tanáticas toma conta dos dois. Não querem deixar a casa, que simbolicamente é representada pelo crescimento e sucesso econômico que alcançaram. A autoria desse desenvolvimento financeiro é disputada pelos dois; mais um dos motivos que geram desentendimentos e ataques mútuos. Faz pensar em duas crianças brigando pelo mesmo brinquedo.
Por intermédio do advogado, amigo da família, o espaço do palacete é dividido e os dois continuam a morar juntos. Essa cena do filme já nos remete a pensar na dificuldade deles se separarem de fato.
A relação fusionada é mantida pelos sentimentos ambivalentes de amor, ódio, inveja e admiração. Esses conflitos geram um aumento de violências físicas e emocionais entre eles. Uma “folie a deux”.
O filme termina de modo trágico. Os dois morrem agarrados a um lustre da casa, depois de uma luta inglória. Nessa fase da vida o ‘ninho está vazio’. Os filhos já saíram de casa, outra possível razão para um aumento do vazio existencial no mundo interno do casal.
Essa imagem da morte do casal de mãos agarradas um ao outro é representativa do vínculo ambivalente e simbiótico da relação conjugal. O vínculo do casal, também pode ser visto sob o ângulo de um modelo psíquico, de ataque-defesa, construído por um pacto, de natureza inconsciente e com conteúdos emocionais provavelmente herdados transgeracionalmente. Este pacto foi nutrido com base em paixões, ressentimentos, frustrações, vazios e ódios entre ambos.
Levantamos a hipótese que modelos identificatórios transmitidos por suas famílias de origem, possam ter gerado esse funcionamento reativo, imaturo e impulsivo no casal.
A psicanálise vincular ajuda a compreender a construção e a diversidade de configurações vinculares presentes no mundo contemporâneo. Nessa perspectiva teórica, os vínculos são formados pela intersecção dos espaços psíquicos intrasubjetivos (mundo interno do sujeito), o intersubjetivo (relações entre sujeitos) e o transubjetivo (influências culturais). Esses espaços se entrelaçam de forma dinâmica, produzindo uma multiplicidade de recombinações.
A psicanálise vincular contempla nossa compreensão metapsicológica sobre a natureza cambiante dos conflitos, que sofrem mutações de acordo com os valores e princípios da cultura vigente.
O que antigamente era reprimido socialmente por valores morais, religiosos e éticos, hoje, com uma tendência a menor censura e com limites menos rígidos, o sujeito expõe seu lado instintual de modo mais aberto.
A clínica também vem se transformando, com novas demandas para atendimento nos consultórios. Essas flutuações e transformações representam desafios para a busca de outras compreensões sobre a psicodinâmica das relações afetivas e a metapsicologia do aparelho psíquico.
É um filme interessante para ser discutido e analisado por psicanalistas que se interessam por relações humanas.
AUTORA
Ruth Blay Levisky
Psicóloga e Psicanalista de Casais e Famílias \ Fundadora e Presidente da Associação Brasileira de Psicanálise de Casal e Família (2017-2021) \ Membro efetivo do Conselho Consultivo da Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família \ Coordenadora do Grupo Vincular (desde 2004) \ Co-organizadora do Dicionário de Psicanálise de Casal e Família (2021) \ Bióloga, mestre e doutora em Genética Humana (Universidade de São Paulo)
E-mail — blaylevisky@gmail.com
FICHA TÉCNICA
Título original — The War of the Roses
Título português — A Guerra dos Roses
Ano — 1989
País — E.U.A.
Duração — 116 min
Realizador — Danny DeVito
Argumento — Michael Leeson, adaptado do romance homónimo de Warren Adler
Produção — James L. Brooks e Arnon Milchan
Fotografia — Stephen H. Burum
Música — David Newman
Edição — Lynzee Klingman
Elenco — Michael Douglas – Kathleen Turner – Danny DeVito – Marianne Sägebrecht – Sean Astin – Heather Fairfield – Dan Castellaneta – G.D. Spradlin – Peter Donat – David Wohl
SINOPSE
O casamento de 18 anos de Oliver (Michael Douglas) e Barbara Roses (Kathleen Turner) se transforma numa guerra infernal. A tentativa de divórcio é mediada pelo advogado Gavin D’Amaro (Danny DeVito), pois nenhum dos dois abre mão da luxuosa mansão em que vivem.