A VERDADE ESCONDIDA — This Must Be The Place (2011)
— ELEONORA ROSSET —
Nas ruas de Dublin podemos ver um estranho personagem. Seu cabelo negro armado, batom vermelho e os olhos azuis maquiados chamam a atenção. Um tique tal qual Marilyn: sopra a mecha de cabelo que cai em seu rosto. Sempre com o mesmo figurino, calça e blusão de couro, gola de pele, tudo preto. Um uniforme.
Ele é Cheyenne (Sean Penn), 50 anos, ex-ídolo de rock dos anos 80. Segue decadente mas fiel a essa imagem que ele criou, como uma pedra imutável, porque é difícil encarar o que traz dentro de si.
Milionário, refugia-se da realidade vivendo numa linda casa na Irlanda, casado há anos com uma bombeira com quem mantém um relacionamento carinhoso.
Jogam pelota basca na piscina vazia. Ele olha da janela ela fazendo tai-chi-chuan no jardim com o professor chinês. E assim passam-se os dias.
Ela (Francis McDormand) parece ser a mãe e não a mulher daquela patética criança andrógina, Sean Penn, numa interpretação magistral.
E, na cabeça dele, ressoa sempre uma pergunta que não quer calar e que ele murmura para si mesmo: “Tem algo errado aqui, não sei o que é, mas tem.”
Ela diz que ele confunde depressão com tédio. Mas ele não escuta.
E quando chegam notícias preocupantes sobre a saúde do pai dele, com quem não fala há 30 anos, Cheyenne empreende uma viagem que vai fazer com que olhe de frente aquilo que sempre fora negado.
Imbuído de uma coragem que não usava, lá vai ele para a América, arrastando seu carry-on, de encontro ao pai que não o reconhece.
Nessa viagem, Cheyenne vai encarar o passado que o pai sempre escondera de si mesmo e, ao fazer isso, mesmo sem querer, tornara o filho refém de uma culpa fantasiada.
Cheyenne intuía que havia um carrasco na vida do pai. Confundia-se com ele.
“Há muitas maneiras de morrer, a pior é continuar vivendo”, era o lema do pai de Cheyenne, que, silenciando sobre sua tragédia pessoal, condenava o filho a interrogar-se sobre o que não sabia.
A saída dele, infantilizada, fora refugiar-se em um exílio culposo, vestindo um disfarce.
David Byrne, que compôs a música original para o filme, aparece como ele mesmo, contracenando com Cheyenne. É o momento de um começo de confrontação consigo mesmo. Outro ícone do rock tem também uma imagem própria mas não se esconde nela.
E é em busca dessa liberdade para ser ele mesmo, sem apelar para identidades falsas, que ele parte para Nova York, onde seu pai vive.
No encontro com a verdade do pai reside a possibilidade de liberação para ser ele mesmo. Compreendendo o que acontecera, ele está livre para decidir se quer ou não passar a existir fora de seu casulo. Encontrada a verdade da qual fugia, pode escolher se aceita ou não a missão reservada para ele.
Cheyenne precisa limpar a honra do pai. Encontrar o nazista que o humilhou num campo de concentração, durante a Segunda Guerra.
“Aqui é o Meu Lugar”, tradução do título em português, elimina a dúvida, marca de Cheyenne, que indaga “Deve ser aqui o lugar”. Pena. Porque o filme tem um clima estranho proposital, mexendo com o espectador que vive também o dilema do personagem, que só vai ser esclarecido pouco a pouco.
O roteiro que também foi escrito pelo diretor, Paolo Sorrentino, com a ajuda de Umberto Contarello, coloca Sean Penn no papel de um herói temeroso à procura de sua verdade. Com delicadeza, Sorrentino que inventou o personagem, encaminha o ex-rockeiro para o que ele precisa saber e decidir, para viver sua própria identidade.
A direção de Paolo Sorrentino, 53 anos, é impecável. O diretor de “A Grande Beleza” que ganhou o Oscar, Globo de Ouro e Bafta, mostra seu talento na maneira segura com que dirige o rockeiro infeliz. Seu roteiro é engenhoso, levando o espectador a se perguntar o que foi que aconteceu. Qual o dilema de Cheyenne?
A fotografia de Luca Bigazzi nota 10, com belas imagens líricas, mostra não só os atores mas as locações na Irlanda e nos Estados Unidos.
Mas, não tenham dúvidas quanto a isso, o filme é de Sean Penn, ator versátil e maduro, de fio a pavio. Ele já trabalhou com grandes nomes de Hollywood como Brian De Palma, Jack Nicholson e Clint Eastwood, entre outros. Indicado três vezes para melhor ator no Oscar, ganhou dois em Mystic River (2003) e Milk (2008). Levou também o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes pelo filme dirigido por Nick Cassavetes, She is so lovely (1997) e duas Taças Volpi no Festival de Veneza por Hurlyburly (1998) e 21 Gramas (2003).
Um ator como poucos num filme fora do comum.
AUTORA
Eleonora Rosset
Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) \ Adaptação dos Testes Luria no Departamento de Neurologia no Hospital das Clínicas de São Paulo \ Faculdade de Direito
E-mail — eleonora.rosset@gmail.com
FICHA TÉCNICA
Titulo original — This Must Be The Place
Título português — Aqui é o Meu Lugar
Ano — 2011
Duração — 118 min
País — Itália – França – Irlanda
Direção — Paolo Sorrentino
Argumento — Paolo Sorrentino e Umberto Contarello
Produção — Ron Bozman
Fotografia — Luca Bigazzi
Música — David Byrne
Edição — Cristiano Travaglioli
Figurino — Karen Patch
Maquiagem — Robert Smith
Elenco — Sean Penn – Frances McDormand – David Byrne
SINOPSE
Cheyenne não é mais o cantor de rock dos anos 80, mas veste-se todo de preto, como se fosse. É uma figura exótica. Rosto maquiado, ele passeia pelas ruas de Dublin. Mora numa mansão com sua mulher e está obcecado por algo martelando em sua cabeça. Quando o pai de Cheyenne, que ele não via há 30 anos, fica doente, ele vai visitá-lo ao hospital em Nova York. Chega atrasado. Mas encontra o nome de um homem no diário do pai e o seu segredo. Decide então viajar pelos Estados Unidos à procura desse homem que humilhou seu pai. Cheyenne descobre coragem e maturidade em si mesmo, nessa viagem iniciática.